Na igreja evangélica aconteceu uma mudança referente à maneira como
pensamos no evangelho. Esta mudança não é desconectada da vida real. Ela
nos afeta na vida cotidiana.
Em sua obra Paul: An Outline of His Theology (Paulo: Um
Esboço de Sua Teologia), o famoso teólogo holandês Herman Ridderbos
(1909-2007) resume esta mudança, que aconteceu depois de Calvino e
Lutero. Foi uma mudança grande, mas sutil, no foco da salvação,
movendo-o da realização externa de Cristo para a nossa apropriação
interna:
Em Calvino e Lutero toda a ênfase recaía no evento redentor que
aconteceu na morte e ressurreição de Cristo. Posteriormente, sob a
influência do pietismo, do misticismo e do moralismo, a ênfase mudou
para a apropriação pessoal da salvação dada em Cristo e para seu efeito
moral e místico na vida do crente. Em harmonia com isso, na história da
interpretação das epístolas de Paulo, o centro de gravidade mudou, cada
vez mais, dos aspectos judiciais para os aspectos espirituais e éticos
da pregação de Paulo. E surgiu uma concepção totalmente diferente das
estruturas que fundamentam a pregação de Paulo.
Donald Bloesch fez uma observação semelhante quando escreveu: “Entre
os evangélicos, maior atenção é dada não à justificação dos ímpios (que
era o motivo básico da Reforma), e sim à santificação dos justos”.
Essa mudança veio acompanhada de uma nova ênfase na vida interior do
indivíduo. A questão subjetiva “O que eu estou fazendo?” se tornou mais
predominante do que a questão objetiva “O que Jesus fez?” Como resultado
disso, gerações de crentes aprenderam que o cristianismo era
primariamente um estilo de vida; que a essência de nossa fé se
centralizava em “como vivemos”; que o verdadeiro cristianismo era
demonstrado na mudança moral que aconteceu no interior daqueles que
tinham um “relacionamento pessoal com Jesus”. Portanto, nossas
realizações constantes por Jesus, e não o que Jesus fez perfeitamente
por nós, se tornaram a ênfase de sermões, livros e conferências. O que
eu preciso fazer e quem eu preciso ser se tornaram o fim principal.
Creiamos nisso ou não, a mudança de foco, do aspecto “judicial para o
espiritual”, do exterior para o interior, desencadeia consequências
práticas.
Quando estamos à beira do desespero, olhando para o abismo de trevas,
experimentando uma noite sombria da alma, voltar-nos para a qualidade
interior de nossa fé não nos trará esperança, nem livramento, nem
alívio. Frequentemente, a nossa pregação (e o nosso aconselhamento)
equivale a dar instruções de natação a um homem que está se afogando:
“Patinhe mais forte, mexa as pernas mais rápido”. Supomos que as pessoas
têm o poder interior de fazer as escolhas certas, por isso nós as
levamos para dentro de si mesmas. (Interessantemente, Martinho Lutero
definiu o pecado como “a humanidade voltada para dentro de si mesma”).
No entanto, como muitas pessoas já sabem, toda resposta interior
fracassará dentro delas mesmas. Voltar-nos para o objeto exterior de
nossa fé, ou seja, Cristo, e sua obra consumada em nosso favor é o único
lugar onde achamos paz, orientação e ajuda. Em vez de direcionar-nos
para algo dentro de nós, o evangelho sempre nos direciona a algo, a
Alguém, fora de nós, onde achamos a segurança que tanto desejamos em
tempos de dúvida e desespero. A segurança que anelamos quando tudo
parece destroçar-se não virá em descobrirmos o consagrado “herói
interior”, mas somente em compreendermos que, não importando como nos
sentimos ou o que estamos sofrendo, já fomos descobertos pelo “Herói
exterior”.
Como Sinclair Ferguson escreveu em seu livro The Christian Life (A
Vida Cristã): “A verdadeira fé obtém seu caráter e sua qualidade do seu
objeto e não de si mesma. A fé tira uma pessoa de si mesma e a leva a
Cristo. Sua força, portanto, depende do caráter de Cristo. Até aqueles
de nós que têm fé fraca possuem o mesmo Cristo poderoso que os outros
crentes possuem!”
Por meio de seu Espírito, a contínua obra de Cristo em mim consiste
em seu constante e diário trazer-me de volta à sua obra consumada por
mim. A santificação se satisfaz na justificação, e não o contrário. O
evangelho é as boas novas que anunciam a infalível dedicação de Cristo a
nós, apesar de nossa falta de dedicação a ele. O evangelho não é uma
ordem de nos segurarmos em Jesus. Pelo contrário, o evangelho é uma
promessa de que, não importando quão fraca seja a nossa fé em tempos de
depressão espiritual, Deus está sempre nos segurando.
Martinho Lutero usava uma expressa para se referir ao perigo que
surge de colocarmos nossa esperança em qualquer coisa que há em nosso
interior: monstrum incertitudinis (o monstro da incerteza). É
um perigo que, desde a Queda, sempre aflige os cristãos, mas aflige
especialmente os cristãos de nossa época altamente subjetivista. É um
monstro que só pode ser destruído pelas promessas exteriores de Deus em
Jesus.
Romanos 5.1 diz: “Justificados, pois, mediante a fé, temos paz com
Deus por meio de nosso Senhor Jesus Cristo”. Esta é uma paz genuína,
edificada sobre uma mudança real em nossa posição diante de Deus – da
posição de culpados diante de Deus, o juiz, para a posição de justos
diante de Deus, nosso Pai. Esta é a segurança objetiva até do mais fraco
dos crentes. É uma paz que descansa totalmente no fato de que já “fomos
reconciliados com Deus mediante a morte do seu Filho” (v. 10); fomos
justificados diante de Deus, de uma vez por todas, por meio da fé na
obra consumada de Cristo. Esta paz produzirá sentimentos verdadeiros e
ação resoluta. No entanto, esta paz com Deus, que Paulo descreve,
repousa seguramente na obra de Cristo por nós, fora de nós. A verdade é
esta: quanto mais eu olho para meu próprio coração em busca de paz,
tanto menos a encontro. Por outro lado, quanto mais eu olho para Cristo e
suas promessas em busca de paz, tanto mais a encontro.
Então, quando pressionados por todos os lados, olhemos para cima. Na
administração de Deus, a única saída é sempre para cima, e não para
dentro.
Autor: Tullian Tchividjian
Fonte: http://estudos.gospelprime.com.br
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