A terrível e fascinante consciência do tempo
A morte é cúmplice do tempo, irmã da tragédia e senhora de tudo. Os verbos prediletos da morte são: acabar, fenecer, terminar, finalizar, sumir, anular.
Fonte: Guiame
A vida é breve. Somos um conto ligeiro. Duramos o tempo do sono em noite cansada. Desgastamo-nos feito pano velho. Frágeis, passamos como a flor que floresce pela manhã e murcha à tarde. Nascemos com sede de eternidade, temos, porém, que nos contentar com a existência efêmera, espremida entre duas datas; do nascimento não nos lembramos e da morte não teremos consciência.
Gastamos os nossos primeiros dez anos de vida sem saber ao certo quem somos e de onde viemos; a segunda década sem noção aonde vamos parar com nossa sexualidade, nossa vocação e nossos afetos; entre os vinte e os trinta, mal nos detemos, ávidos por sucesso, riqueza e poder; aos quarenta, encaramos a mais terrível crise – a da meia idade – por notar que os sonhos e ideiais não passavam de devaneios onipotentes; com cinquenta, administramos as consequências das tempestividades e o luto de perder nossos ascendentes; com sessenta, ouvimos o assobio triste da morte à distância; com setenta, ficamos introspectivos, a pensar como tudo passou tão depressa; com oitenta, nos preparamos para a realidade inevitável de que não haverá exceção, nós seguiremos o caminho de todos os mortais. E tudo se passou num piscar de olhos.
Miguel Torga sedimentava para si a límpida realidade da vida, ao grafar em seus diários a expressão do francês Amiel: cada dia, deixamos um pedaço de nós próprios pelo caminho.
A morte é cúmplice do tempo, irmã da tragédia e senhora de tudo. Ela se orna de capuz, traz uma foice na mão e, sem piedade, afasta amantes, desola pais, fere amigos. Ela acompanha o tiquetaquear inclemente do relógio sem mexer um músculo de seu rosto magro. Os verbos prediletos da morte são: acabar, fenecer, terminar, finalizar, sumir, anular.
Em Epitáfio, os Titãs chamam à reflexão. Devia ter amado mais/ Ter chorado mais/
Ter visto o sol nascer/
Devia ter arriscado mais/
E até errado mais/
Ter feito o que eu queria fazer… Queria ter aceitado/
As pessoas como elas são/
Cada um sabe a alegria/
E a dor que traz no coração…/ O acaso vai me proteger/
Enquanto eu andar distraído/
O acaso vai me proteger/
Enquanto eu andar…/ Devia ter complicado menos/
Trabalhado menos/
Ter visto o sol se pôr
/ Devia ter me importado menos/
Com problemas pequenos/
Ter morrido de amor…/ Queria ter aceitado/
A vida como ela é,
A cada um cabe alegrias/
E a tristeza que vier…
A morte, essa implacável senhora está por aí, na espreita. Valorizemos, então, as coisas simples, arriscando mais, sem medo de errar, e aceitando as pessoas sem o rigor de nossas neuroses. E se a existência é fugaz como sonho ou neblina, o tempo de começar a viver de verdade é agora.
Soli Deo Gloria
- Ricardo Gondim
Nenhum comentário:
Postar um comentário